Como é sabido, o alcance da tributação da permuta de estoque por pessoa jurídica optante pelo lucro presumido e dedicada à atividade imobiliária é tema de discussão jurisprudencial há anos e objeto de reiteradas manifestações da Receita Federal do Brasil (“RFB”). A posição da RFB e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”), até então, era pela tributação tanto da torna em dinheiro quanto do valor dos imóveis recebidos em permuta, porquanto comporiam a receita bruta da pessoa jurídica optante pelo lucro presumido e dedicada à atividade imobiliária.
Entretanto, recentemente, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) proferiu decisão inédita contrariando o entendimento da RFB e outras decisões mais antigas de Câmaras inferiores do CARF. O acórdão, julgado em 10 de novembro de 2020, só foi publicado no final do mês passado, em 21 de janeiro de 2021.
O voto vencedor do Conselheiro Caio Cesar Nader Quintella deu destaque a debates conhecidos há tempos da doutrina especializada e delineou cinco fundamentos principais para justificar a impossibilidade de tributação do valor das unidades a construir recebidas em permuta de um imóvel contabilizado no estoque no lucro presumido por pessoa jurídica dedicada à atividade imobiliária.
O primeiro fundamento é que a ficção do lucro presumido (isto é, o “lucro” é o produto da aplicação de um “coeficiente de presunção” sobre a “receita bruta”) não autoriza a incidência de imposto de renda (“IRPJ”) e tributos reflexos (CSLL, PIS e Cofins) sobre um elemento que não seja propriamente renda. Nesse sentido, o Conselheiro destaca em seu voto que “não se pode, por meio de ficção, tratar como rendimento os resultados e os efeitos de instituto jurídico, típico e próprio, que não revela qualquer acréscimo patrimonial, provento ou produto de capital e trabalho. O percentual de presunção tem sua aplicação legalmente limitada a elementos que exprimam renda, relacionados aos fatos jurídicos tributados pelo IRPJ e pela CSLL”. Assim, na medida em que o fato permutativo não representa a realização de receita da atividade, a tributação do valor dos imóveis recebidos em permuta violaria o conceito de renda, a capacidade contributiva e a verdade material.
O segundo fundamento é que a permuta não se confunde com a venda. Destaca o voto vencedor que a permuta “exprime um negócio de troca, que na sua própria natureza depreende-se equivalência e neutralidade econômica”, enquanto a venda é a entrega de algo contra dinheiro. Corrobora o argumento o fato de cada instituto estar previsto separadamente no Código Civil. Ademais, ressalta que a previsão do artigo 533 do Código Civil de que à permuta são aplicáveis as disposições referentes à venda apenas autoriza a regulamentação coincidente desses institutos pelo Direito Civil, sem autorizar a equiparação desses institutos pelo Direito Tributário. Consequentemente, sendo a permuta distinta da venda, o valor do imóvel recebido em permuta não poderia ser considerado “produto da venda de bens” – tal qual definido pelo artigo 30 da Lei nº 8.981/95 – e, portanto, não poderia compor a receita bruta em que se baseia o lucro presumido.
O terceiro fundamento é a constatação de que a simples troca de imóveis não produz qualquer disponibilidade de renda ou acréscimo patrimonial em favor da empresa. Nesse ponto, o Conselheiro respalda seu argumento nas lições do Prof. Ricardo Lacaz Martins, sócio fundador do escritório, para, então, concluir que “se considerada a permuta recebida como receita para efeito do LP [Lucro Presumido] o contribuinte acabaria por arcar com uma dupla imposição sobre o mesmo negócio realizado, pois deveria recolher o imposto quando do recebimento dos imóveis em permuta e, posteriormente, quando da sua alienação”.
O quarto fundamento é que a Instrução Normativa RFB nº 107/88 seria aplicável tanto ao lucro real quanto ao lucro presumido, a fim de que em ambas sistemáticas só eventual torna fosse tributada na permuta de imóveis.
O quinto fundamento é que a receita bruta das pessoas jurídicas que exploram atividades imobiliárias seja tão somente “o montante efetivamente recebido, relativo às unidades imobiliárias vendidas”, conforme a redação do art. 30 da Lei nº 8.981/95. Sendo assim, o preço dos imóveis recebidos em permuta não deveria ser tributado, justamente por não representar montante efetivamente recebido pela venda de unidades imobiliárias.
Nossa equipe tributária está à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o tema.