Daniel Vitor Bellan e Felipe Carreira Barbosa
Em sessão de julgamento realizada no dia 18/03/2020, quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei de Conversão nº. 02/2020, que altera o texto da MP nº. 899/2019 (MP do Contribuinte do Bem) para passar a prever o fim da aplicação do voto de qualidade nos julgamentos realizados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Segundo o texto aprovado pelos deputados federais, o empate de votos nos julgamentos administrativos implicará decisão definitiva favorável ao contribuinte.
Como se sabe, o CARF, na condição de órgão responsável por julgar, em segunda instância, os processos administrativos tributários federais, possui uma composição paritária entre conselheiros representantes fazendários e conselheiros representantes dos contribuintes. É dizer, todas as suas turmas são formadas por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, em igual número.
Assim, como não haveria de ser diferente, é comum que julgamentos de processos administrativos tributários terminem com empate de votos entre os Conselheiros – especialmente em relação aos temas mais polêmicos no direito tributário. Nestes casos, o artigo 25, §9º do Decreto nº. 70.235/1972 determina, atualmente, que o voto de desempate será proferido pelo Presidente da Turma Julgadora – no caso, sempre um representante da Fazenda Nacional, por determinação do mesmo dispositivo citado. Essa prerrogativa de desempate concedida aos presidentes das Turmas Julgadoras é denominada de voto de qualidade.
Naturalmente, por conta da vivência profissional dos conselheiros representantes da Fazenda Nacional – profissionais cujas carreiras foram dedicadas à defesa dos interesses fazendários – o que se verifica, na prática, é que, na grande maioria dos julgamentos resolvidos pelo voto de qualidade, o resultado da decisão alcançada é contrário aos contribuintes.
Inclusive, é justamente essa prevalência de decisões tomadas pelo voto de qualidade em favor da Fazenda Pública que coloca em cheque a constitucionalidade e a legalidade do mencionado instituto, haja vista macular a igualdade processual que deveria haver entre as partes litigantes. Tanto é assim, que, atualmente, são comuns ações propostas para questionar, judicialmente, o instituto do voto de qualidade – muitas delas, ressalta-se, já com decisões favoráveis aos interesses dos contribuintes.
É este contexto de intenso questionamento do voto de qualidade que alça o Projeto de Lei de Conversão nº. 02/2020 à condição de uma possível grande mudança de paradigma no âmbito do contencioso administrativo tributário federal. Afinal, caso o texto aprovado pela Câmara dos Deputados venha a entrar em vigor, o voto de qualidade deixará de ser aplicado, de modo que a decisão proferida após o empate de votos será favorável ao contribuinte.
Vale pontuar, ainda, que, recentemente, a Câmara dos Deputados já analisou outro Projeto de Lei que pretendia extinguir o voto de qualidade (PL nº. 6064/16). De todo modo, naquele caso, o texto discutido ainda previa a possibilidade de a PGFN levar ao judiciário as decisões favoráveis aos contribuintes decorrentes do empate de votos – medida esta que foi bastante criticada por diversos advogados e contribuintes, não avançando em suas tramitações legislativas.
Ocorre que, de forma diversa do que previa a PL nº. 6064/16, no texto do Projeto de Lei de Conversão nº. 02/2020, não há qualquer menção à possibilidade de a Fazenda Pública questionar, em juízo, as decisões que lhe forem contrárias no âmbito do CARF, o que, evidentemente, leva à conclusão de que virão a ser definitivas as decisões que, por conta do empate de votos, venham a ser favoráveis aos contribuintes.
Assim, após a aprovação do Projeto de Lei de Conversão nº. 02/2020 na Câmara dos Deputados, o texto da proposta será encaminhado ao Senado Federal. Caso venha a ser aprovado também naquela casa legislativa, seguirá para eventual sanção presidencial. Cumpre, então, aguardar o trâmite legislativo para que se possa verificar uma verdadeira mudança de paradigma no contencioso administrativo tributário pátrio.
Segue, no que interessa, o texto da proposta:
Art. 2º A Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.” (NR)