Com a decretação de pandemia, houve repentina necessidade de mudança de hábitos que está impactando diretamente na rotina da população e no convívio social e familiar. Exemplo disso é que o Estado de São Paulo, refletindo as orientações médicas para conter o avanço e disseminação da doença, determinou a suspensão gradual de aulas em escolas públicas e deu orientações para que as instituições privadas façam o mesmo. Além das aulas, também estão suspensos eventos esportivos, musicais, de lazer ou de outra natureza, acima de 500 (quinhentas) pessoas, e centros comunitários foram fechados.
Sobre este aspecto, ressalte-se que a imposição de medidas mais drásticas, como aquelas já adotadas atualmente pela China e pelos países europeus, envolvendo quarentena coletiva, com regras restritivas de circulação de pessoas, deve ser encarada como possibilidade visando a facilitação e a identificação de casos e a contenção do número de pessoas infectadas.
Diante dessa nova dinâmica de reduzir o convívio social, é natural que surjam dúvidas no âmbito do Direito de Família, como, por exemplo, sobre a realização de visitas a crianças, jovens e idosos, mormente nos casos envolvendo litígio judicial, permeados por beligerância e disputas entre as partes nas quais, muitas vezes, se utiliza de qualquer elemento externo para opor ao outro litigante, ainda que não tenha efetiva relevância ou signifique proteção ao superior interesse dos principais envolvidos em tais disputas.
Obviamente, não é o caso da situação decorrente da pandemia mundialmente estabelecida e cuja gravidade não comporta questionamentos. De qualquer forma, fazse fundamental ter em mente que se trata, a toda evidência, de situação pontual e de emergência, exceção com efeitos (seja suspensão momentânea de custódia física, seja de visitas etc.) notórios, mas não perenes e que não podem servir de pretexto para corroborar pretensões antagônicas discutidas pelas partes.
Trata-se de situação singular e, por conseguinte, ainda não existem normas jurídicas ou orientações jurisprudenciais específicas regrando o atual momento, existindo, portanto, evidente indefinição sobre como a convivência familiar deverá ser efetivada nas próximas semanas.
Nesse passo, não se olvide destacar a existência dos princípios norteadores do Direito que, mais do que sempre, devem ser observados pelos responsáveis legais dos incapazes, na qualidade de guardiões, tutores, curadores e apoiadores, na consecução do melhor interesse daqueles, quais sejam: princípio da paternidade responsável; princípio do superior interesse da criança e do adolescente; e de portadores de necessidades especiais, princípio do melhor interesse do incapaz e o próprio princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
O princípio da paternidade responsável, previsto no artigo 226, § 7º, da Constituição Federal, dispõe que, dentre tantas atribuições, os genitores ou demais responsáveis, devem zelar pelos cuidados e bem-estar dos menores.
Por sua vez, o princípio do superior interesse da criança e do adolescente (previsto no artigo 227, caput, da Constituição Federal e nos artigos 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90), bem como dos portadores de necessidades especiais (previsto nos artigos 13 e 95, incisos I e II, do Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015), confere a estes tratamento prioritário para a efetivação dos direitos inerentes à vida, à educação, à convivência comunitária, à dignidade, à alimentação, à saúde e ao lazer.
Com efeito, trazendo as premissas acima para a realidade atualmente vivenciada, pautando-se sempre no melhor interesse dos mais vulneráveis (crianças, adolescentes, portadores de necessidades especiais e idosos), mostra-se razoável que cada família, caso a caso, analise a dinâmica que melhor atenderá ao respectivo núcleo familiar, de forma a ir ao encontro das medidas de saúde pública determinadas pelos governos para contenção da doença, uma vez que os interesses coletivos são prioritários frente aos individuais.
De forma prática, vale registrar que famílias que dividem de forma igualitária a custódia física dos menores, diante da suspensão das aulas escolares, já estão propondo, por exemplo, a distribuição do tempo tal como normalmente ocorreria em período de férias escolares, mas há que zelar, mais do que a manutenção da divisão equânime de custódia física, pela garantia da predominância das normas de saúde pública. A prática já observada de o guardião se revezar na casa onde aqueles que estão sob guarda residem, já utilizada por parte das famílias, talvez seja mais verificada neste momento de pandemia.
Ademais, tendo em vista o contexto atual e sempre em vista do superior interesse dos incapazes envolvidos, há que se considerar alternativas momentâneas de substituição do convívio físico por meios eletrônicos, a exemplo do que ocorre quando as famílias residem em comarcas ou até mesmo países diferentes, viabilizando-se o acesso virtual, por vídeo conferência, por exemplo. O importante, além da preservação dos incapazes, é a garantia do acesso a eles, ainda que, no momento, não necessariamente físico.
Não se pode deixar de destacar que, mormente no Direito de Família, os costumes têm inegável força, sendo certo que a rotina dos incapazes é sempre muito invocada nas decisões atinentes às questões familiares. Contudo, é essencial ponderar que o atual momento é de exceção, de modo que eventuais acordos, concessões, abstinências de convívio realizados neste período de mais reclusão em razão da pandemia verificada, deverão ser considerados como pontuais, com validade determinada e não deverão ser utilizados para tentar demonstrar descaso de umas das partes ou, até mesmo, alteração do modelo anteriormente verificado.
Assim, exemplificando, na hipótese de um guardião/visitante não poder cumprir as visitas em razão da pandemia, esta pessoa não poderá ser penalizada, tampouco poder-se-á argumentar que uma nova dinâmica de visitas se estabeleceu para aquela família.
Isso significa dizer que eventuais mudanças feitas na rotina de convivência familiar durante o período de pandemia são medidas excepcionais e não poderão ser impostas às partes quando a presente situação for normalizada.
Diante das considerações acima, frise-se que o momento atual exige esforços comuns para obtenção de melhores soluções caso a caso, sempre pautadas pelo bom-senso e pelos princípios acima mencionados e que as partes envolvidas em litígios familiares deverão mitigar as diferenças e efetivamente dialogar e implementar a colaboração em função de bem maior. O momento, muito embora de afastamento físico é, sem dúvida, de união.
As sócias da área de Direito de Família e das Sucessões, juntamente com toda a equipe, estão à disposição para ajudá-lo neste tema:
Fernanda Botelho de Oliveira Dixo fdixo@lacazmartins.com.br (11) 38970088
Daniela Romano Tavares Camargo danielaromano@lacazmartins.com.br (11) 38970158