Ricardo Lacaz Martins, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados, concedeu entrevista ao Boletim “Sia & Cia” da ABRASCA (Associação Brasileira das Companhias Abertas) e falou, entre outros assuntos, sobre arrecadação de tributos, tributação de dividendos e competitividade tributária das empresas brasileiras.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
_________________________________________________________
Governo vai perder arrecadação se decidir tributar dividendos
Entrevista Ricardo Lacaz Martins, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados
Em entrevista ao Boletim Sia & Cia, o advogado Ricardo Lacaz, ex-presidente da COJUR, diz que o governo pode perder arrecadação com a proposta do Ministério da Economia de reduzir a alíquota das empresas e compensar com tributação de dividendos. Segundo ele, politicamente a proposta se vende bem, porque seria uma forma de alcançar o “andar de cima” e promover justiça fiscal, o que poderia gerar certo apoio popular. “Porém, economicamente, entendo que ela não se sustenta. O remédio é pior que a doença, destaca”, Lacaz.
Segundo o advogado, se a ideia do governo é reduzir o tributo na pessoa jurídica e compensar a diferença de alíquota na pessoa física, o efeito será a queda de arrecadação. Na média, as grandes pagadoras de dividendos distribuíram apenas 9,59% dos lucros nos últimos cinco anos. “Para manter o mesmo nível de arrecadação, seria necessário aplicar uma alíquota de quase 150% na pessoa física, o que é inviável, ainda mais quando se considera que a faixa mais elevada é de 27,5%”.
Sia & Cia: Faz sentido a proposta do Ministério da Economia de reduzir a carga tributária das empresas e compensar com a tributação sobre dividendos?
Ricardo Lacaz: É como dizem, “it all depends”. De início, podemos pensar em três possibilidades: reduzir, manter ou aumentar a carga tributária sobre os lucros. Se a ideia é reduzir o tributo na pessoa jurídica e compensar a diferença de alíquota na pessoa física, o efeito será a queda de arrecadação. Na média, as grandes pagadoras de dividendos distribuíram apenas 9,59% dos lucros nos últimos cinco anos. Partindo desse dado, publicamos um artigo no Estadão, conjuntamente com a Elisabeth Libertucci, demonstrando que a conta não fecha, porque, para manter o mesmo nível de arrecadação, seria necessário aplicar uma alíquota de quase 150% na pessoa física, o que é inviável, ainda mais quando se considera que a faixa mais elevada é de 27,5%. Se a ideia é manter a carga, então a proposta devia ser diferente. Não basta reduzir a alíquota de 34% para 20% na pessoa jurídica e cobrar 15% na pessoa física, como parece ser a proposta do ministro Paulo Guedes.
O caminho seria fazer como outros países europeus, nos quais o tributo pago na distribuição vira um crédito a ser compensado pela pessoa jurídica. Seria uma sistemática parecida com os juros sobre capital próprio (JCP). Ainda assim, essa proposta traria claras desvantagens econômicas, porque ela induz à retenção dos lucros na pessoa jurídica. Em geral, não é interessante manter um caixa alto nas empresas sujeitas ao lucro real, porque as receitas financeiras são tributadas a 34% de IRPJ e CSLL, mais 4,65% de PIS e COFINS. Então, é possível que as empresas deixem de distribuir dividendos e, para não manter o caixa alto, comecem uma corrida para investir os recursos sem muito critério. Reinvestir por “obrigação” pode gerar uma série de decisões gerenciais ruins, em prejuízo da empresa e dos próprios investidores. Quer dizer, a norma tributária vai ter um efeito indutor no sentido de interferir na livre inciativa do gestor. Na tentativa de escapar disso, é possível também que haja uma espécie de ressureição da “distribuição disfarçada de lucros” (DDL), o que é ruim e uma prática difícil de combater.
Por fim, se a ideia for simplesmente aumentar a alíquota na pessoa física, isso elevaria demais a carga tributária, que já é alta no Brasil. Não podemos esquecer que a isenção atual decorre da integração entre a pessoa jurídica e a pessoa física. A pessoa física não paga, porque toda a tributação sobre o lucro já foi concentrada na pessoa jurídica. Isso foi bem destacado pelo ex-secretário Everardo Maciel em recente artigo publicado. E há uma razão para concentrar a tributação na pessoa jurídica, que é facilitar a fiscalização. É mais fácil e menos custoso fiscalizar alguns milhares de empresas que ter de fiscalizar milhões de brasileiros e a Receita sabe disso. Politicamente, a proposta de tributar dividendos se vende bem, porque ela seria uma forma de alcançar o “andar de cima” e promover justiça fiscal, o que poderia gerar certo apoio popular. Porém, economicamente, entendo que ela não se sustenta. O remédio é pior que a doença.
Sia&Cia – Quais segmentos da economia seriam mais afetados com esta decisão?
Ricardo Lacaz – Dependendo da sistemática a ser implementada algumas empresas podem ser sim beneficiadas. Tomando-se como premissa a hipótese que não haveria aumento global da carga tributária (hipótese esta que todos perderiam), as empresas sujeitas a tributação pelo lucro real poderiam ser beneficiadas, já que teriam uma alíquota menor de IR/CSL sendo somente o lucro efetivamente distribuído tributado. Para as grandes pagadores de dividendos a tributação, no extremo, seria neutra, na medida que haveria a compensação da redução do IR/CSL com a tributação dos valores distribuídos. Ressalto que não vejo como possíveis esses cenários, pois haveria necessariamente grande redução da arrecadação tributária. Alguém teria que “pagar essa conta” ou aumenta-se a tributação das demais empresas, ou cria-se uma nova fonte de arrecadação. Alerto que temos que ter cuidado com o canto da sereia.
Por sua vez, as empresas optantes pela a apuração presumida ou simples seriam muito impactadas já que a integralidade dos valores distribuídos aos sócios seria tributada, gerando uma oneração adicional para essas empresas. O efeito colateral seria um desestímulo para os pequenos e médios negócios, incentivando-se ainda a informalidade por excesso de carga tributária. Esse aumento de arrendação gerado, nas nossas contas, no entanto, seria imaterial. Há números que indicam isso. Na publicação de dados setoriais da Receita em 2013 apenas 4% das empresas brasileiras calculavam o IR e a CSL pelo lucro real sendo responsáveis por quase 80% de toda a arrecadação, ou seja, o aumento seria sentido por 96% das empresas que representam menos de 20% de geração de receita tributária, um enorme detentivo à manutenção dos seus negócios sem falar uma grande injustiça fiscal.
Há muita discussão que o lucro presumido e o simples são sistemáticas que abrem espaço para tributações reduzidas em determinadas atividades. Não vejo, no entanto, como adequado utilizar-se da tributação dos dividendos para corrigir essa questão, pois visando tributar poucos acaba-se prejudicando muitos, é como dizem não se pode balançar o cachorro pelo rabo, melhor seria corrigir as eventuais distorções e não impor uma tributação a todo um grupo de empresas essenciais para a geração de empregos no País. Por isso, a proposta tem que ser pensada com cuidado. A solução não pode ser pior que o problema. Se o governo está empenhado em atacar certas hipóteses que considera injustas, há outros caminhos e a tributação de dividendos não me parece a melhor escolha.
Sia&Cia – Quais efeitos sobre a receita tributária você espera com a implantação da medida?
Ricardo Lacaz – Depende da medida que for implementada, como mencionei acima, ao tratar das três possibilidades. Considerando o cenário mais provável que seria a redução do IR/CSL na pessoa jurídica e aumento na pessoa física, acredito que o efeito será a perda de arrecadação. Mesmo que a proposta consiga aumentar a tributação das pequenas e médias empresas, essa arrecadação adicional provavelmente será inexpressiva se considerarmos todo o universo de contribuintes. Além disso, para as pequenas e médias empresas também pode haver perda de arrecadação, porque a elevação da carga tributária atuaria como um desincentivo econômico e, no limite, essas empresas poderiam optar pela informalidade.
Sia&Cia – Considerando que 98% das empresas brasileiras são PMEs e muitas delas estão no Simples, quais os efeitos da tributação de dividendos na transparência das empresas?
Ricardo Lacaz – É possível que a tributação gere perda de transparência, pois ela pode induzir algumas empresas a realizar planejamentos tributários abusivos ou a chamada “distribuição disfarçada de lucros” (DDL). A DDL era um problema muito comum antigamente e hoje está superado. Agora, com a nova proposta, essa discussão pode voltar. Além disso, nas empresas de menor porte e com pouco controle interno sempre há risco de transferência de despesas pessoais dos sócios para a empresa patrimonial, o que é ruim para os acionistas e para a própria atividade operacional.
Sia&Cia – Na sua avaliação, qual o caminho mais apropriado para aumentar a competitividade tributária das empresas brasileiras?
Ricardo Lacaz – No passado, o Brasil optou pela tributação sobre a produção. O ICMS, por exemplo, é cobrado da indústria e do comércio e não do contribuinte final, o IR e CSL é pago pela pessoa jurídica, como acabamos de discutir. Sem dúvida, isso encarece o produto e retira competitividade. Só que há uma razão para a concentração da carga tributária nas empresas: ela facilita arrecadação e fiscalização. Hoje, quem sustenta a carga tributária no Brasil são 400 mil empresas em um universo de quase 8 milhões de pessoas jurídicas. É verdade que outros países migraram a carga tributária para as pessoas físicas, mas em nosso no Brasil essa é uma a ideia que parece difícil de aplicar.
A Receita Federal está preparada para tributar e fiscalizar milhões de contribuintes? A resposta não é fácil, mas acredito que a competitividade tributária das empresas brasileiras possa ser resolvida com a redução de alíquotas, simplificação fiscal e unificação de tributos que hoje incidem sobre fatos econômicos similares (faturamento, receita, venda, serviços).
Hoje, temos um sistema caótico na tributação sobre o consumo. O mercado, que é nacional, está subdividido em três tributos em níveis diferentes. Isto é, IPI e IOF da União, ICMS dos Estados e ISS dos Municípios. Fora a incidência de PIS e COFINS com esse regime de créditos que sempre deu problema, motivou e motiva ainda diversas ações judiciais. Quer dizer, enquanto o mundo caminha no aperfeiçoamento do IVA, o Brasil ainda nem resolveu a unificação dos impostos sobre consumo.
Fora isso, somos o país que mais gasta tempo no mundo com a prestação de informações ao Fisco. Segundo relatório do Banco Mundial, gastamos cerca de 2 mil horas por ano com a burocracia tributária. É uma pena, tempo e recursos que podiam ser investidos na atividade produtiva.
Por isso, acredito que a melhor resposta seria a simplificação do sistema tributário. Se perguntarmos aos empresários o que eles preferem entre uma alíquota reduzida ou um sistema tributário mais simples e menos burocrático, arrisco a dizer que a grande maioria escolheria o segundo caminho, talvez todos.