Ricardo Lacaz Martins, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri, publicou artigo no Valor Econômico sobre as reorganizações societárias forçadas em decorrência da aprovação da Reforma Tributária.
Leia abaixo a íntegra do artigo
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Reorganizações societárias forçadas
Por Ricardo Lacaz Martins
Com a aprovação do projeto de reforma tributária do Imposto de Renda na Câmara dos Deputados, as empresas e os especialistas em tributação passaram a se debruçar no texto que será agora objeto de análise no Senado Federal, com recente boa notícia que passará nas comissões temáticas que deverão fazer um criterioso escrutínio da proposta apresentada.
A forma pela qual foi aprovado pelos ilustres deputados federais, que votaram um texto substitutivo lido minutos antes da votação, não possibilitou um debate aprofundado e detalhado como deveria dos artigos propostos, sendo levado mais em conta o conceito geral do projeto, mas não os detalhes do seu texto final. E é aí que mora o perigo.
A pressa demonstrada nessa votação, em especial em um corpo normativo que afeta profundamente a organização de todas as empresas brasileiras e consequentemente todos aqueles que com elas se relacionam, poderá trazer surpresas em relação a aspectos não debatidos, como a inviabilidade ou o maior custo fiscal da manutenção de estruturas societárias organizadas por empresas holdings.
Dentre as funções das holdings destacamos a sua importância na vida empresarial, agregando participações societárias em empresas investidas, trazendo maior transparência à cadeia de controle societário. Da mesma forma, as empresas que detém participações societárias são importantes instrumentos nos planejamentos familiares, onde é definida de maneira clara a sucessão empresarial em caso de falecimento, dissolução conjugal e outros fatos da vida que podem afetar diretamente o dia a dia das empresas.
Tais instrumentos, muito além de meros mecanismos de organização societária, são essenciais para a manutenção das atividades dos grupos empresariais, sem trazer uma descontinuidade de gestão no caso de conflitos ou das ausências acima mencionadas.
No entanto, a proposta recém-votada penaliza tributariamente as holdings trazendo um tratamento diferenciado em relação às demais empresas. Por força do parágrafo 5º do artigo 2º do projeto, os lucros recebidos por pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido são isentos do Imposto de Renda sobre os dividendos de 15%, desde que a empresa possua receita de até R$ 4,8 milhões anuais no ano anterior, não sendo essa isenção aplicável às empresas listadas no parágrafo 4º do artigo 3º da Lei Complementar (LC) nº 123/06, justamente as empresas holdings.
O mesmo dispositivo normativo, a despeito da sua dúbia redação, que certamente causará mais contencioso tributário, pretende impedir que o limite de R$ 4,8 milhões anuais para a isenção dos dividendos não seja aplicável às empresas, mas sim aos empresários, impedindo que se detenha mais de uma empresa sujeita ao benefício.
Sendo assim, um grupo societário que possua uma ou mais pessoas jurídicas com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões anuais e que seja controlada por outra sociedade não poderá se beneficiar economicamente da isenção ali prevista. Seu lucro pode ser distribuído à holding de maneira isenta, mas essa não poderá repassar a isenção aos sócios pessoa física sem a tributação, mesmo que a sua receita seja inferior ao limite mencionado.
Terá ainda que se observar que a empresa não seja detida por sócios que possuam participação societária em outros negócios, motivando a doação e a transferência de participação entre familiares e até mesmo a divisão de atividades entre os proprietários do grupo econômicos, de modo que cada um detenha uma única empresa isenta da tributação dos dividendos.
Parece ser evidente a intenção do projeto inicial em limitar ao máximo a isenção dos dividendos das empresas de lucro presumido, ignorando a realidade de setores que utilizam largamente essa forma de apuração da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL, como o setor imobiliário, onde a existência de várias sociedades de propósito específico (SPEs) tributadas pelo lucro presumido é uma constante. A desorganização causada será, se aprovado o projeto nesses termos, irremediável.
Intervenções legislativas dessa ordem induzirão à reorganização, ou melhor, a desorganização de grupos empresariais, com a “horizontalização” das estruturas societárias e consequentemente a redução de governança societária e sucessória exercida pelas holdings.
Esperamos que o Senado Federal, por meio das suas comissões temáticas, discuta com profundidade os efeitos de cada norma proposta, para não desorganizar ainda mais a já tão maltratada atividade empresarial.
Ricardo Lacaz Martins é mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP)